2 de jun. de 2013

Meu velho

 
Antes dele ir pro roçado tasquei-lhe um beijo molhado, ele fechou os olhos e me acochou em seus trêmulos braços. Me olhou com aqueles olhos de oceano e partiu. Podia vê-lo de longe, o corpo magro se perdendo na campina, o mesmo homem que 50 anos atrás pediu minha mão a meu pai e resolveu viver pra sempre comigo. Meu velho, meu homem, meu companheiro. Ele não estava tão decrépito quanto eu, velha e enrugada como um maracujá murcho. Ele sempre me consolava dizendo que adorava maracujá envelhecido. Mas eu sei bem como anda esse corpo enfermiço, é só olhar no espelho que vejo meu eu mofado ali naquele reflexo. Meu velho deve ser quase cego, como ele consegue me achar bonita assim? Deve ser sua alma gentil que sempre me acolhe quando estou tristinha pelos cantos. Engraçado como ele sempre cuidou de mim, e eu dele. Pensei que não fosse vingar, mas estamos aqui, intactos. De repente eu sinto alguém beijar minha orelha, é ele. Parece que foi ontem que ele veio na minha casa e de repente roubou um beijo meu, e partir desse dia eu era dele e ali mesmo o nosso amor cresceu. Cresceu tanto que a gente foi logo atrás do casório, vestido branco e alianças, tudo direitinho pra gente ficar no mesmo lugar. Eu tinha medo de nunca encontrar quem me quisesse mas ele me amou de graça, me pediu em namoro numa sexta e um ano depois subimos ao altar. Ele era um moço alto, agora com o reumatismo estava meio encurvado, continua um charme. Achava impossível ele saber sempre o que falar, mas ele sempre foi esforçado em me encantar. E quando o frio congela os pés a gente estica as pernas perto da lareira, comendo bobagem, dizendo tolie e rindo um do outro. Claro que a gente briga. Mas nunca pra magoar, ele e eu sempre fomos sutis ao ponto de não machucarmos um ao outro pra depois sangrar. Meu velho continua bonito, com voz grave me convida pra jartar. E eu de certo modo entendo que aquele tom agudo é na verdade o momento da minha voz ele escutar. E eu canto baixinho erto do seu ouvido. Ele gosta. Sorri como um menino doce. Faço cócegas e ele ri ainda mais, quando ele me olha eu dou graças a Deus por ter encontrado esse pedaço de paraíso, meu velho, meu abrigo. Amigo fiel que me enche de paz.

6 comentários:

Samara Even disse...

Awn, que texto mais lindo e acolhedor. Lembrei dos meus avós, que estão bem próximos de fazer 50 anos de casados. Os amo tanto que nunca quero sair de perto deles. Sei que a casa deles sempre será a minha casa. Me sinto feliz e acolhida aqui, apesar das brigas em família e de algumas vezes os outros filhos e netos sentirem ciúmes dagente. Sabe, eu sempre estarei com eles e com a inha mãe aqui. :') Bjin.

Lanillu disse...

que texto encantador! me fez sorrir ♥

Nanda Torres disse...

Que delícia de ler *-*

http://lladodedentro.blogspot.com.br/

Nanda Torres disse...

Florzinha, obg por ter se inscrito no Felicidade Pelo Correio, vai ser uma delícia me corresponder com vc!

<3

Jéssica Teles disse...

Ah, eu quero isso (:
Espero daqui um tempo poder também me ler nesse seu texto.
Gostei demais.
E me identifiquei também. E mais, me identifiquei contigo.

beijo, beijo!

Goiabasays

Desa disse...

Ooh! que lindo! Eu quero um... "Meu velho" também, rss.
Perfeito prima, lindo, simples e profundo texto :)