21 de dez. de 2012

Do fundo do meu coração

Revirando o velho baú encontrei seu sorriso perdido entre as tralhas. Continuava branco como no último domingo em que o vi. E ver o seu rosto tão empoeirado naquele cheiro de mofo me fez sentir a velha chama arder, mesmo que fraca. Depois de tantos retratos envelhecidos o seu continuava atraente, com aqueles mesmos olhos de sol escaldante iluminando o pequeno guarda trecos. Nem sei por que te guardei ali. Entre tantos lugares aquele baú não parecia um lugar apropriado para guardar uma fotografia tão nova e ao mesmo tempo tão velha. Talvez fosse esse traço ambíguo que me fez te trancar ali. Porque sempre me pareceu confuso esse nosso enlace desentrelaçado. Faz apenas 12 meses que nosso conto nasceu, e tão facilmente se esmoreceu que já faz parte de uma coleção antiga de fotografias que eu não quero aprisionar mais. Deixa ser livre como flor do campo, deixa ser solto como um beijo morno numa manhã de geladeira.
Rabisquei qualquer coisa no verso da foto. Teu nome meio torto e uma data qualquer de um dia incerto, algumas palavras breves e minha assinatura. Pensei se colocava meu nome curto e grosso ou se devaneiava com aquelas frescuras que eu costumava escrever no fim dos poemas encantados, sua borboleta. Soa tão infantil que chega a ser engraçadinho... o modo bobo como chamamos a nós mesmos nos dias de emoção. No ápice da razão o nome bem escrito com caneta preta é de bom proveito, mas pra que uma cor escura quando se está apaixonado? Melhor deixar pra lá as bobagens e largar você em qualquer página de um livro rejeitado da minha seleta biblioteca. Talvez lá seu seu sorriso fique amarelo antigo e seu olho esverdeado assuma uma tonalidade mais madura. E por sorte esse livro possa ser escolhido para ser lido em um dia de chuva rara, e seu rosto enfim sentirá o cheirinho da terra banhada pelas gotas de mar que desabam do céu vespertino. Quem sabe eu não te deixe ver o espetáculo. O vento te vigiando enquanto a chuva some no horizonte e eu recordando do tempo que teu sorriso ainda era glacial.

3 comentários:

Nizer Fontoura disse...

Que lindo o seu texto,bem profundo e romântico... Amei!!!

Rita Cardoso disse...

meu deus, escreves tão bem! gostei, adorei!

Unknown disse...

Teu textos são como abismos de açúcar. A gente vai lendo a se afogando numa intensidade tão doce que ai meu Deus! Lindo ♥ Te ler é bom e lindo ♥